sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A ESCUTA CLÍNICA

Escutar envolve adentrar numa realidade acima da aparência, como sinal de mudança; independente do que se queira pensar sobre o assunto escutado, se nota algo. 

Entre a confusão do engano do pensamento e a concepção de um desempenho de estar ao controle, em meio às incertezas, fantasias e dúvidas, existe um caminho apontado numa visão de planejamento e possibilidade conjunta entre terapeuta e paciente, que é a descoberta da resistência entre o pensado e o esquecido.

Existe uma abundância de material, de expectativas, de expedientes e exigências, mas a técnica é fácil; bastando para isso, não querer dirigir a atenção suspensa para evitar o perigo da atenção deliberada. O ponto de vista a ser deliberado, fixado, escolhido, enfatizado se constitui naquilo que não foi entendido, como as coisas cujo significado só são identificadas posteriormente.

A crítica e regra básica é prestar atenção na memória inconsciente do paciente, devendo simplesmente escutar e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa, cujo enredo dramático representado ou caráter patologicamente indeciso, romperá de súbito, premeditado ou ardiloso, denotando “insensibilidade fantasma”, excitação, ou embaraço, podendo denotar a peculiaridade comum da vergonha ou até mesmo uma neurose sexual.

Entre a dominação e a disposição que podem envolver um pensamento sério ou euforia, o obstáculo de oposição à proposição do serviço, surge no interessante e ingênuo enigma de pensar que a escuta é um simples processo que faz parte do pensamento formal, ou como mera expressão compreensiva, sem esforço, numa ausência de criticidade, logo, sem respeito e compromisso diretos.

Embora exista um conveniente simbolismo folclórico por trás dos mitos, há uma interpretação simbólica que revela o oculto, daquilo que não aparece ao público e que tende a se ocultar, como a perigosa “larva’ da tentação que luta e está sujeita concomitantemente aos despertar dos desejos, em satisfações substitutivas que podem encobrir até mesmo os lutos não superados.

A escuta envolve descortinar pensamentos, vergonhas, tensões, sofrimentos, adotando o ponto de vista de deixar-se distrair e despertar com o elemento de discordância da opinião envolta em “rumores, ruídos e alaridos emocionais ou racionais”, procurando interpretar as características isoladas do repentino, do ruído acidental que provocou a fantasia, do dito não dito, do não dito embora dito, encontrando e traindo o enlace entre a palavra e o silêncio, aonde o temor e o sentimento de posse estão dependentes.

Escutar assemelha-se à uma fixação paranóica porque aparentemente nada acontece em um tratamento psicológico ou psicanalítico além de um intercâmbio de palavras entre o paciente e o analista, aonde o paciente conversa, fala de suas experiências passadas e de suas impressões atuais, queixa-se, reconhece seus desejos e seus impulsos emocionais e o profissional o escuta, procurando orientar os processos de pensamento do paciente, exortando, dirigindo sua atenção em certas direções, dando-lhe explicações e observando as reações de compreensão ou rejeição que ele, analista, suscita no paciente.

Numa concepção oposta a esta cena, pode haver uma argumentação de que tudo não passa de uma fantasia; contudo, se assim fosse, seria somente do analista, em face de suas próprias interrogações, mas jamais do paciente porque este suporta e nutre o próprio sofrimento e a repressão e recordação gradativa da construção da fantasia é um feito independente do incentivo do terapeuta, aonde a conversão experiencial pertence somente ao paciente.

Logo, as objeções críticas inventadas contra o meio de expressar o conteúdo reprimido e a associação substitutiva do paciente, bem como as resistências inconscientes não apresentam os fundamentos racionais para entender as formações e deformações simbólicas, aonde o método de escuta fica aberto às possibilidades, conflitos, expectativas, de qual abordagem seja, contudo, quando o paciente sentir que o seu conhecimento sobre o caso não aumenta, ele se desinteressará e não reagirá, tomando uma voz incerta, desestimulado.

O fato mais importante da escuta é entender a importância do desejo e da passividade, envolvendo o paciente, que não devem escapar à observação de quem escuta, podendo se puder, fazer uso da análise das micro-expressoes faciais, ou linguagem corporal, podendo se transformar num requisito de uma análise mais bem-sucedida, ao serem estes dois complexos revisitados.

Escutar bem exige treino, é algo progressivo, focando além do som, além da voz, o sussuro gritante singelo ou desvelado da auto imagem do paciente do qual o analista precisa se ater primeiro a si, sendo acompanhado por supervisão constante, conhecendo a teoria a que se propõe aplicar e principalmente, sabendo se portar por inteiro numa entrega ao outro, num ambiente de estado propício como um útero nascedouro a cada sessão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário