sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O DESAMPARO

Inicialmente, precisamos entender que o modo como o analista se coloca diante das razões do analisando produzem neste o desamparo assistido pelos pressupostos do suposto saber psicanalítico. Há quem se sinta livre, forte, que não precisa de análise nem se sente desamparado, mas essa característica peculiar denota um quadro de falta de reação e defesa, pelo uso desmedido do poder.

Por outro lado, há determinados pacientes tão desamparados e incapazes de uma vida comum, como os bebês que nascem desamparados, que, para eles, há necessidade de se combinar a influência analítica com a educativa, bem como, há os que têm dificuldade de renunciar aos vícios e prazeres que levam à destruição também gera desamparo pelo fato de que eles se tornam vítimas desamparadas de suas idéias antitéticas.

 Para entender a complicada questão do desamparo na psicanálise, Freud constatou que a ansiedade é um produto do desamparo mental da criança, da sua libido, o qual é um símile natural de seu desamparo biológico, quando o ego é tensionado pela ansiedade, quando o ego fica desamparado em face de uma exigência instintual constantemente crescente - o determinante mais antigo e original da ansiedade, tendo acúmulo de excitação, quer de origem externa quer interna, que não pode lidar, fazendo com que a criança grite pela ajuda de estranhos, ainda que as suas questões inconscientes deixem os adultos desamparados.

Tanto o fraco e imaturo ego do primeiro período da infância, permanentemente prejudicado pelas tensões dos esforços de desviar os perigos, quanto os adultos que temem a perda de amor dessas crianças, ambos se acham desamparados nessa mútua relação afetiva. O adulto que não consegue escapar da dependência mútua necessariamente implicada por uma relação sexual, está munido de completa autoridade e do direito de punir, e que pode inverter esses papéis para a satisfação irrestrita de seus caprichos; e de outro lado, a criança, que em seu desamparo fica à mercê dessa vontade arbitrária, gerando a neurose futura.

Durante todo o período de latência a criança aprende a amaroutras pessoas que a ajudam em seu desamparo e satisfazem suas necessidades, e o faz segundo o modelo de sua relação de lactente com a ama e dando continuidade a ele, que mais tarde gera fantasias de enamoramento na fase da puberdade. O desamparo da civilização é a fraqueza, como crianças de tenra idade, em relação ao afastamento dos pais, no sentido de exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente a que é demonstrada na morte,e compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada em comum lhes impôs, gerando suspeita e perplexidade que não podem ser remodeladas, gerando as idéias, a necessidade de proteção e o sentido da religiosidade pela extensão da insignificância diante do universo.

A origem da atitude religiosa pode ser remontada, em linhas muito claras, até o sentimento de desamparo infantil. A leitura dapsicanálise ao mostrar como a religião se originou a partir do desamparo da criança e ao atribuir seu conteúdo à sobrevivência, na idade madura, de desejos e necessidades da infância não significa necessariamente uma contestação à religião, que é necessária quando da incapacidade de proporcionar um substituto à felicidade perdida diante da impossibilidade gerada pela morte de alguém que se ama, pela dor da solidão, da mesma forma quando a elaboração do sonho falha e fica fragmentado como o pesadelo que produz desamparo, pela falta de sentido.

Freud ainda afirma que “nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor”.

Quando os próprios sentimentos de uma pessoa não a conduziriam a discernir o bem do mal, pelo desamparo e dependência dela em relação a outras pessoas, o medo da perda de amor da qual é dependente, gera desproteção a uma série de perigos, como ser exposta a alguém mais forte que mostre sua superioridade sob forma de punição. O desamparo é físico se o perigo é real e o desamparo é psíquico se o perigo é instintual. Uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo.

A ansiedade é a reação original ao desamparo no trauma, sendo reproduzida depois da situação de perigo como um sinal em busca de ajuda; um exemplo é a situação econômica e a situação do cidadão civilizado que se sente desamparado num ambiente estranho como a guerra, pela desintegração e devastação do meio aonde vivia, como a influência perturbadora das infecções no corpo que também produz desamparo.

O perigo de desamparo psíquico é apropriado ao perigo de vida quando o ego do indivíduo é imaturo; o perigo da perda de objeto, até a primeira infância, quando ele ainda se acha na dependência de outros; o perigo de castração, até a fase fálica; e o medo do seu superego, até o período de latência, pela intimidação do pai da horda ao filho. Existem desamparos relacionados à falta do prazer sexual, que gera a tentação, podendo ser manifestos em sonhos estranhos, confusão de recordação ou atormentação pela retenção de grandes quantidades de excitação.

O desamparo frente às manifestações do amor envolve o desejo bruto e instintual, a submissão masoquista e o amor por piedade, aonde a impossibilidade amar e ser amado, geram impossibilidade de catexia gerando desamparo mental ou sentimentos de desprazer.

Nem a relação sexual nem o nível de conhecimento não significam amparo, pois a intenção inconsciente, a traição que culpa, a perda no tempo e a falta de poder produzem desamparo pelas exposições a tensões desagradáveis por causa das necessidades instituais presentes em vários momentos da vida.

Superar o desamparo é um “milagre” da ação do outro; envolve dependência e repressão, numa guerra que gera embaraço da redescoberta da dependência da assistência externa. Quando a pessoa que ajuda executa o trabalho da ação específica no mundo externo para o desamparado, este último fica em posição, por meio de dispositivos reflexos, de executar imediatamente no interior de seu corpo a atividade necessária para remover o estímulo que induz ao desamparo, tendo como exemplo a pessoa doente, desamparada, que precisa de ajuda.

O perigo de desamparo psíquico ajusta-se ao estádio da imaturidade inicial do ego; o perigo de perda de um objeto (ou perda do amor) ajusta-se à falta de auto-suficiência dos primeiros anos da infância; o perigo de ser castrado ajusta-se à fase fálica; e, finalmente, o temor ao superego, ajusta-se ao período de latência, aonde sua falta pode gerar culpa e agressividade, como os que são “estragados” pela riqueza.

Ainda que existam pessoas que se acham merecedoras sem culpa alguma de sua parte, elas também se acham desamparadas porque o ego desamparado que se defende dos traumas por meio de tentativas de fuga (repressões) ineficazes e o dano infligido ao ego por suas primeiras experiências dão a impressão de serem desproporcionadamente grandes, mas nenhum indivíduo humano é poupado de tais experiências traumáticas e repressões.

No processo de repressão repetido, os instintos separam-se violentamente do domínio do ego, encontram suas satisfações substitutivas pelos caminhos da regressão e o pobre ego torna-se desamparadamente neurótico. No caso específico do masoquista, ele deseja ser tratado como uma criança pequena e desamparada, mas, particularmente, como uma criança travessa.

Mesmo assim, tanto o ego maduro apoiado pela análise quando o ego desamparado pelos traumas e repressões fracassam na tentativa de conter o controle sobre os instintos e as transformações sobre o mecanismo de defesa, pois os agentes psíquicos sempre estão lutando contra si, fato indispensável para a consecução de outro objetivo que é estabelecido ao mesmo período da vida (cujo enfrentamento produz desamparo), que se chama de amadurecimento.

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